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sexta-feira, 25 de junho de 2010

O civismo nosso de cada dia


O cliente era novo. O centro de convenções também não estava habituado a eventos com interpretação. Tudo perdoável. O assunto era interessante – um atrativo, mas demandaria muita atenção. Aquela atenção que se dá a coisas novas. Que vem carregada do receio de quebrar encantos e da vontade de causar a melhor das impressões. “Olá, Mr. So and So, interessante sua tese...” “Sim, adoraria saber mais a respeito” – Bem, pelo menos essa parte era totalmente verdadeira, agora que vejo o teor e quantidade de siglas e símbolos que me esperavam.

Estávamos a 5 minutos do início da palestra, e percebia que os 40 minutos destinados ao palestrante seriam preenchidos com uma apresentação de mais de 80 slides que me acabara de ser dada, juntamente com a informação de que alguns slides foram adicionados aqui e ali. Uma matemática simples indicava problemas na velocidade da palestra. Junte-se a isso o fato da tela estar a mais de 300 metros da cabine, e eu não ter o hábito de carregar binóculos nessas interpretações. Quando vou aprender: Sempre tenha a apresentação antes da palestra (bem antes!). Nunca fique a mais de 100 metros da tela de projeção, a menos que tenha um binóculo consigo.

Começam os protocolos: Sr deputado, excelentíssimo Sr. Ciclano, magnânimo Sr. Fulano... O fato é que quando anunciaram o hino do município, ainda estava me entendendo com os slides. “Cada segundo conta!” reclamei, desculpando-me por não querer levantar para o hino. “Uma marcha meio militar,” pensei depois de alguns acordes. Pensei também que talvez devesse, de qualquer forma, me perfilar frente à bandeira do município, mão ao peito, cara de civismo e compenetrado olhar de conteúdo. Não, não tenho tempo para me sentir culpado. Prefiro ser mais preciso quando for a hora de agir traduzindo. Quem olha para dentro da cabine, afinal?

O curioso é que parecia reconhecer vários trechos do hino. Me soava como algum desses que cantávamos em datas cívicas, dia da bandeira, do soldado, algo de cunho militar, distante em minha memória, mas suficientemente perto para me pegar lembrando de versos.

De repente, o curioso desconforto de desconfiar que o hino da cidade não é aquele. E, bem, não era mesmo.

Olhei para o rapaz do som: mesa com 16 canais, muitos botões coloridos e controles deslizantes. Achava-se um piloto de aeronave espalhando som pelo ambiente. Temi por sua presunção quando a audiência descobrisse a gafe. O desconforto seria atroz. O que fazer? Ir até o fim? Pedir desculpas? Fiquei com pena do pobre rapaz. Não fez nada. E o pior é que quase ninguém reconheceu o erro. Um representante do cerimonial municipal, devidamente trajando preto (por que sempre preto?) aproxima-se do jovem. Lá pelos intermináveis 4 minutos , o resultado: uma redução abrupta de volume e o anúncio solene do condutor do evento: “Belo hino. Agora que o ouvimos, começaremos de novo, com o hino CERTO.” Ri quieto, incontidamente no escuro da cabine, enquanto novamente ouvíamos o famoso (?) hino da cidade. Ganhei mais alguns minutos para revisar a apresentação e pensar o quão presos estamos a certos protocolos sócio-culturais.

Entendo o rito e o protocolo como forma de coletivização e como reforço a um senso de pertencimento gregário. Mas nunca sei como me portar quando o rito falha. Vale rir? Posso rir? Acho que a verdade e o riso são no fundo, compadres , que se encontram sempre que se revelam essas inconfessáveis mentiras sociais. Quem queria efetivamente ouvir àquele hino? Nem eu, nem eles.

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