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terça-feira, 20 de abril de 2010

O Alemão que veio da China

Um trabalho de última hora, eu nem sabia ao certo quem era aquele palestrante. Um loiro alto com traços arianos, bem aparentado, mas um jeito de corpo que ao longe me lembrava um oriental. Não, orientais, pelo que me lembro, têm olhos distintamente puxados, cabelos notadamente lisos e pretos, e falam idiomas, bem, “orientais”. Há sempre a questão da globalização, pode-se argumentar.

De qualquer forma algo não estava certo. Uma empresa alemã, tradicional, havia me contratado para interpretação de uma palestra, cabine compartilhada, desse novo sistema de manutenção e serviço de revisão para seus carros. Coisa moderníssima, você não precisava mais ficar sem o veículo durante um dia ou mais a cada 10.000km por causa da revisão, bastava entregar a chave do carro na oficina (será esse ainda o nome – ou algo mais fashion como “centro de atendimento e serviços veiculares especializados”). A chave continha um chip com todos os dados técnicos do carro, pressão dos pneus, temperaturas médias de motor, óleo, desgaste, peso dos ocupantes (tá, essa já foi demais) etc.

Independentemente do teor da palestra, acharia mais fácil que fosse dada em alemão, com intérpretes alemães, e não por mim. Mas, ei, The Customer is always right, é o que diz no cartaz.

Mal entrara na cabine e logo chega minha parceira. Para minha grata surpresa, trata-se de uma nativa do idioma inglês. Nascida em Londres e pronta para o que der e vier. Se tinha qualquer temor sobre compreender o sotaque daquele alemão, com alguém nativo ao lado, me revesti da segurança que faltava.

Casa cheia, som ligado, apresentação na tela, hora do show.

Lembre-se: é importante conversar com o palestrante antes do evento, sentir sua pronúncia, saber como conduz sua apresentação, “modular” seu ritmo e entonação. NÃO FIZ NADA DISSO.

Mal começara e percebi na apresentação o porquê do jeito oriental: ele vivera dois anos na China e apenas há uma semana estava retornando ao ocidente, com direito a essa escala no Brasil para um treinamento e palestra.

O fato é que dois anos haviam feito um estrago enorme em sua habilidade de se comunicar em inglês. Curiosamente, aquilo que saia de sua boca soava quase, “chinês.”

Bem, ainda não era hora de entrar em pânico, afinal tinha uma companheira de cabine capacitada para sotaques difíceis....ou achava que tinha.

O fato é que, após 20 minutos de interpretação e ao passar para ela o microfone, presenciei um descontrole único em minha carreira como intérprete. Ela começava a reclamar ao mesmo tempo que traduzia, (traduzia? Confesso que entendia 20% do que era falado). Depois de 15 minutos, quando já me preparava para a troca, ela simplesmente deu-me o microfone e levantou-se. Assumi, usando a técnica de ler o slide quando a coisa ficava impossível e tentar esperar o melhor da situação. Pensava comigo, “ora bolas, faço isso há anos, tenho um excelente ouvido. Se não entendo, eles também não, assim, sou a melhor opção que têm”. E lá fomos nós.

Lembro-me de vê-la acenando para mim, despedindo-se ali mesmo, e saindo fula da vida, sem se preocupar em não deixar a porta bater. Nunca mais a vi...

Ok. Somos você e eu, jovem alemão-chinês que “fala” inglês. E olhe que ao passo de 40 minutos estava indo bem quando chegamos ao slide que traz um carrinho de compras e nele eram colocadas ferramentas, ou bem podiam ser bolas de futebol, ou calotas de carro. Na verdade, o próprio carrinho podia ser qualquer outra coisa, já que a conclusão de que as rodas do carrinho eram rodas e não simples orifícios em uma folha de caderno, era minha. O fato é que ouvia o palestrante dizer o que soava como “shop cart” - Eu sei, eu sei, antes que os mais alertas digam-me, o correto é “shopping cart.” Retruco que nessa altura, a falta de um “ing” seria o menor dos problemas. Decidi então que esse era o sistema: um carrinho de compras onde eram colocados os elementos de manutenção. Desnecessário dizer que a audiência aos poucos, tanto quanto eu, começara a desconfiar que algo estava errado. Embora confiantes naquele tradutor que conseguia entender palestra de tamanha dificuldade, agora começaram a perceber que a realidade era outra.

Faltavam ainda 5 minutos para o término do que seria a primeira parte quando o gerente geral da empresa não se conteve e interrompeu o palestrante, “Já sofremos demais”, disse ele. Foi até o palco, desculpou-se com os presentes e, vejam só, desculpou-se com os tradutores. Agradeceu a presença de todos e saiu com o palestrante pelo braço, por uma porta lateral de maneira abrupta, clássica, e ouso dizer, extremamente germânica.

Não pude nem ao menos me despedir de meu contato, um dos que havia se trancado em alguma sala com o gerente e seus técnicos.

Recebi normalmente por todo o evento, mas juro que até hoje, 10 anos depois ainda não sei como funciona aquele carrinho de compras....

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